Depois de um bom
tempo solteiro e naturalmente afastado das salas de cinema, resolvi voltar às
telonas, ainda que sozinho. Por mais que seja possível enfrentar aquela
escuridão assim, convenhamos, esse programa não é para ser feito só.
O sofrimento começa
já na fila para comprar os ingressos. Ops!... O ingresso (aliás, nem isso,
porque é meia-entrada). Você percebe que está sem uma metade quando casais
recém-formados ficam se pegando loucamente bem na sua frente. É beijo de
cinema, de causar inveja, antes de começar o filme.
A parte mineira de
minha pessoa faz-me chegar cedo pra poder escolher um dos melhores
lugares da sala, aproveitando que hoje em dia é possível comprar ingresso com
lugar marcado. Na hora de escolhê-lo, começa a ficar claro que a lógica do
cinema é par. A quantidade de poltronas em cada fileira é sempre um número
divisível por 2, com resultado inteiro e resto zero. Indo sozinho, você
corrompe essa lógica, e possivelmente deixa um casal deslocado ou
separado, ainda mais em dias de sessão cheia. Mas eles não se desgrudam, não se
entregam facilmente, e vão sentar-se juntos lá debaixo da tela, com
direito a legenda na cara e torcicolo. Resultado: a poltrona que era pra ser de
seu par, ficará vazia. Uma poltrona vazia em pleno altiplano do cinema; lugar
nobre, desocupado; um sorriso que era pra ser pleno, sem um dente, sem gente.
Na outra fila, a da
pipoca, todos os preços e tamanhos expostos no painel acima e atrás do balcão
mostram que você será um idiota se não escolher o combo
ultra-mega-super-grande, que é praticamente o mesmo preço do saquinho de pipoca
que vem com uma balinha. Não tive escolha, não há escolha. Comprei o maior.
Abracei o saco de pipoca com um braço, o balde de refrigerante com o outro, e
dirigi-me à entrada. Sem piedade, o "conferidor de bilhetes"
exigiu-me a apresentação da carteira de estudante, como se já não tivesse os
membros superiores totalmente ocupados – como se eu tivesse alguém para me
ajudar.
Malabarismos feitos, consegui entrar e
ocupar meu lugar milimetricamente e antecipadamente escolhido,
horizontalmente centralizado, alinhado verticalmente a uns 2/3 da altura da
tela. Instalo-me tranquilamente, as luzes se apagam, começam as propagandas e
trailers. Cogito algumas vantagens de ter ido sem companhia: a pipoca será toda
minha, e poderei concentrar-me totalmente, sem desvios, sem preocupações, no
filme que enfim se inicia.
Ledo engano. A gula
e o egoísmo não poderiam passar ilesos. Os que me conhecem sabem que não tenho
limites quando o assunto é comer. Mas enfrentar a empreitada de um saco tamanho
papai noel de pipoca sozinho é desumano, além de um pecado, daqueles que você
promete nunca mais cometer, mesmo sem ter religião. O refrigerante gigante
utilizado para refrescar e abrir espaço interno também gera consequências: é
necessário ir ao banheiro. Quando estou vendo filmes de super-heróis ou animação,
resisto heroicamente à vontade. Mas não era este o caso, e perdi minutos
preciosos da trama – mesmo tendo corrido (sim, literalmente,
faço isso. Afinal, aqueles "corredores" servem pra quê?!) na ida ao W.C. Na volta,
ninguém me esperando pra contar o que perdi, o que aconteceu. A atenção total
prometida ao filme foi por água abaixo.
Fim da sessão, não
do sofrimento. Casais de mãos dadas ocupam a escadaria (cujos degraus também
são estruturados aos pares) e formam a base do fluxo da saída. Ocupar seu
espaço é difícil, ultrapassá-los, impossível. Solitário no fluxo, você
ainda atrapalha a cômoda descida lado a lado deles, uma vez que o espaço livre
gerado por sua falta de companhia será ocupado inadvertidamente por algum
elemento de um casal, deslocando o outro(a) para trás de si, colocando em risco
de pisoteamento seus próprios calcanhares – risco preferível a desgrudarem as
mãos.
O pior vem quando,
lá fora, já livre do aperto e do tumulto, você olha para o lado e não vê ninguém para
dar vazão àquela necessidade tão humana de se comunicar, de comentar sobre o
filme, de criticá-lo, de mostrar o quanto você sabe que nos quadrinhos o
Homem-Aranha não é tão idiota, que na história medieval os cavaleiros não eram
tão altos, fortes e limpos; ou de simplesmente dizer se gostou ou não, se foi
boa ou ruim a experiência ímpar de fantasia permitida nas duas hora de cinema.