segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Cinema é par!


Depois de um bom tempo solteiro e naturalmente afastado das salas de cinema, resolvi voltar às telonas, ainda que sozinho. Por mais que seja possível enfrentar aquela escuridão assim, convenhamos, esse programa não é para ser feito só.

O sofrimento começa já na fila para comprar os ingressos. Ops!... O ingresso (aliás, nem isso, porque é meia-entrada). Você percebe que está sem uma metade quando casais recém-formados ficam se pegando loucamente bem na sua frente. É beijo de cinema, de causar inveja, antes de começar o filme.

A parte mineira de minha pessoa faz-me chegar cedo pra poder escolher um dos melhores lugares da sala, aproveitando que hoje em dia é possível comprar ingresso com lugar marcado. Na hora de escolhê-lo, começa a ficar claro que a lógica do cinema é par. A quantidade de poltronas em cada fileira é sempre um número divisível por 2, com resultado inteiro e resto zero. Indo sozinho, você corrompe essa lógica, e possivelmente deixa um casal deslocado ou separado, ainda mais em dias de sessão cheia. Mas eles não se desgrudam, não se entregam facilmente, e vão sentar-se juntos lá debaixo da tela, com direito a legenda na cara e torcicolo. Resultado: a poltrona que era pra ser de seu par, ficará vazia. Uma poltrona vazia em pleno altiplano do cinema; lugar nobre, desocupado; um sorriso que era pra ser pleno, sem um dente, sem gente.

Na outra fila, a da pipoca, todos os preços e tamanhos expostos no painel acima e atrás do balcão mostram que você será um idiota se não escolher o combo ultra-mega-super-grande, que é praticamente o mesmo preço do saquinho de pipoca que vem com uma balinha. Não tive escolha, não há escolha. Comprei o maior. Abracei o saco de pipoca com um braço, o balde de refrigerante com o outro, e dirigi-me à entrada. Sem piedade, o "conferidor de bilhetes" exigiu-me a apresentação da carteira de estudante, como se já não tivesse os membros superiores totalmente ocupados – como se eu tivesse alguém para me ajudar.

Malabarismos feitos, consegui entrar e ocupar meu lugar milimetricamente e antecipadamente escolhido, horizontalmente centralizado, alinhado verticalmente a uns 2/3 da altura da tela. Instalo-me tranquilamente, as luzes se apagam, começam as propagandas e trailers. Cogito algumas vantagens de ter ido sem companhia: a pipoca será toda minha, e poderei concentrar-me totalmente, sem desvios, sem preocupações, no filme que enfim se inicia.

Ledo engano. A gula e o egoísmo não poderiam passar ilesos. Os que me conhecem sabem que não tenho limites quando o assunto é comer. Mas enfrentar a empreitada de um saco tamanho papai noel de pipoca sozinho é desumano, além de um pecado, daqueles que você promete nunca mais cometer, mesmo sem ter religião. O refrigerante gigante utilizado para refrescar e abrir espaço interno também gera consequências: é necessário ir ao banheiro. Quando estou vendo filmes de super-heróis ou animação, resisto heroicamente à vontade. Mas não era este o caso, e perdi minutos preciosos da trama – mesmo tendo corrido (sim, literalmente, faço isso. Afinal, aqueles "corredores" servem pra quê?!) na ida ao W.C. Na volta, ninguém me esperando pra contar o que perdi, o que aconteceu. A atenção total prometida ao filme foi por água abaixo.

Fim da sessão, não do sofrimento. Casais de mãos dadas ocupam a escadaria (cujos degraus também são estruturados aos pares) e formam a base do fluxo da saída. Ocupar seu espaço é difícil, ultrapassá-los, impossível. Solitário no fluxo, você ainda atrapalha a cômoda descida lado a lado deles, uma vez que o espaço livre gerado por sua falta de companhia será ocupado inadvertidamente por algum elemento de um casal, deslocando o outro(a) para trás de si, colocando em risco de pisoteamento seus próprios calcanhares – risco preferível a desgrudarem as mãos.

O pior vem quando, lá fora, já livre do aperto e do tumulto, você olha para o lado e não vê ninguém para dar vazão àquela necessidade tão humana de se comunicar, de comentar sobre o filme, de criticá-lo, de mostrar o quanto você sabe que nos quadrinhos o Homem-Aranha não é tão idiota, que na história medieval os cavaleiros não eram tão altos, fortes e limpos; ou de simplesmente dizer se gostou ou não, se foi boa ou ruim a experiência ímpar de fantasia permitida nas duas hora de cinema.

sábado, 22 de outubro de 2011

Kant e a Coca



Em estudos recentes sobre Ética e Moral na faculdade, deparamo-nos com a clássica formulação do imperativo categórico de Immanuel Kant: "age de tal maneira que possas ao mesmo tempo querer que a máxima da tua vontade se torne lei universal". Baseado em uma concepção do ser humano racional e livre, daí viria o seu agir necessário e universal.

As críticas a Kant também foram relembradas, evidenciando o caráter individualista e pouco prático de sua teoria (baseada em uma razão tão pura e racional que nem existiria, desprendida da história, da cultura e tradições). Mas o problema com o individualismo foi o que pegou em sala de aula, e a principal questão que ficou foi: "a ética/ moral na sociedade poderia depender da consciência e ação de cada indivíduo?"

Eu respondi que sim, oras! Para que o bem e o bom se tornem regra no mundo, podemos contar sim com as ações individuais. Caso contrário, o caos prevaleceria, a vida em sociedade não seria possível. E não me venham dizer que são o Estado e a Lei que a promovem ou garantem. Ninguém age assim ou assado por conta de um código escrito. É muito mais o que pensamos e como agimos em termos de certo e errado, bem e mal, nas diversas situações da vida. Ainda que a origem desses valores venha de fora (da cultura, da família, da história), é na ação individual que a ética se realiza, se perpetua ou se modifica.

É por isso que fico tranquilo em depender das pessoas. Não é preciso averiguar e comparar os números da produção de tanque e bichinhos de pelúcia pelo mundo, ou saber se para cada corrupto existem não sei quantos mil doadores de sangue. A Coca-Cola está certa: os bons são maioria. Em seu recente e bem sucedido comercial, ela não revelou qualquer segredo, antes se apropriou da condição de existência da humanidade: os bons têm que ser maioria!