quarta-feira, 2 de outubro de 2013

COM QUANTAS ROUPAS EU VOU? - Estudando o próprio consumismo. Parte 1: Moda


“Olá, meu nome é Sérgio, tenho 28 anos e 157 itens de roupas.” Em estudo estatístico simples no guarda-roupa lá de casa, constatei que uso apenas 14,01% do vestuário adquirido. A porcentagem foi alcançada com base em (super)estimativa do que visto durante uma semana normal de vida-corrida-moderna-capitalista-ocidental-cristã. Então incluí no cálculo a indumentária necessária para realizar atividades como trabalho, lazer, prática de esportes, etc. Mas se considerarmos o uso real, com base apenas no que levo de fato de roupa suja pra lavar, chegaremos a uma taxa de mais ou menos 9% do total por semana.

A princípio, um absurdo revelador do meu consumismo. Mas os números devem ser esmiuçados para que possamos compreender melhor a situação, ou pelo menos, para que eu não me sinta tão culpado ou vitimado pela sociedade industrial. Tentarei explicar os dados conforme hábitos, histórias de vida e idiossincrasias. Antes de começar a análise, aviso que deixei cuecas e meias de fora da amostra, roupas íntimas demais para exposição mundial (uma pena, aliás. Elas poderiam me salvar desse rótulo consumista: uso meias encardidas e cuecas furadas sempre que elas aparecem limpas na gaveta).

Tapando em cima


A parte superior do corpo é onde aperta o calo do desperdício. Camisetas e camisas totalizam incríveis 99 itens nos cabides, e representam 63% do guarda-roupa. Uso, por semana, de 9 a 12 itens – ou seja, cerca de 10% do que tenho para cobrir peito, barriga, costas e braços.

(Aqui, um grande parênteses. Tenho 33 camisetas de times de futebol que fazem parte de uma coleção iniciada na Copa de 1998 com um uniforme do Brasil. De lá pra cá gostei desse troço e viciei em comprar camisas oficiais de clubes e seleções. Já doei algumas, me furtaram outras, e ainda sim tenho esse monte para contabilizar. Como estamos tratando de consumismo, não poderia deixar de fora esse fetiche do consumo de que se traveste o ato de colecionar. Uso apenas 2 por semana, e olhe lá!)

Ainda sobre as peças de cima, tenho alguns números absolutos interessantes e desoladores. Por exemplo, tenho sorte de não ser obrigado a usar camisa social no serviço. Logo, prefiro deixar inutilizadas as 17 camisas de manga longa que possuo. Elas são muito quentes e dão mais trabalho para vestir (botões são um atraso de vida). Pelo mesmo motivo do temor ao calor, só tenho 1 camisa-pólo, filada de um primo, e ainda assim não a uso.

Embora já tenha feito vários “limpas” para doações, camisetas insistem em permanecer no guarda-roupa, por motivos diversos. Tem aquela esperando você (eu) emagrecer. Tem uma camiseta preta à espera de um show de rock. Tem aquela ridícula que você (eu) pretende usar no carnaval ou numa festa à fantasia. Tem umas que já foram surradas, batidas, lavadas, desbotadas, mas foi sua mãe ou sua vó quem te deu, e lá permanecem – no meu caso, são reaproveitas virando pijama.

Tapando embaixo

Shorts, bermudas, calça jeans e calça social somam 33 peças no meu guarda-roupa. Aqui também tenho muito, e uso pouco. Três a cinco shorts por semana, do total de 15 (taxa de utilização de 33%). Tudo depende da ida à academia ou ao parque próximo. Tento reaproveitar os que não ficam muito sujos ou suados para jogar futebol ou correr. Shorts velhos (alguns com mais de 15 anos) também substituem meu único pijama na maior parte das noites.

Quanto às calças, uso no máximo duas por semana. Não as 2 sociais que tenho, e sim 2 das 7 jeans que revezo para ir ao trabalho e também sair. Nesse caso, mesmo usando pouco (tx. de 28% do total/ semana) prolongo o tempo útil delas antes de voltarem pra máquina de lavar. Com o revezamento, elas demoram umas três ou quatro semanas sem gastar água e sabão do mundo.

Calçados

Nesse quesito já tenho os “pés no chão”. São 12 pares de calçados para os diversos tipos de situação/ ocasião/ piso. Enumeremos: 1 sapato social; 1 sandália; 1 chinelo; 2 tênis de corrida (é preciso revezar para não desgastar o amortecimento); 3 chuteiras (uma para o gramado, outra para o concreto liso, outra para o “asfalto granulado” onde às vezes jogamos futebol).

Só não são usados plenamente os 4 pares de sapatênis, porque acabei tendo preferência pelos 2 mais confortáveis. Ainda assim, a taxa de utilização de todos os meus calçados fica próxima de 50% por semana, sendo que a outra metade fica à espera da situação específica para ser pisado. (nesse ponto estou muito curioso para comparar com você, leitorA, apenas o número total de sapatos =)


Combate ao frio

Na moda outono-inverno acho que faço o “não-uso” mais racional dos recursos. Contabilizei somente 7 peças ao todo, incluindo 3 blusas de moletom, 1 calça, 2 jaquetas e 1 gorro andino. Em condições normais de Brasil tropical, não uso qualquer uma, mesmo no inverno. Levo no banco traseiro do carro uma dessas blusas de frio, em caso de baixa repentina na temperatura – mas quem usa, 100% das vezes, é minha namorada.

Extras

Ainda tenho um terno que nunca uso, mas que orgulho de ser o único que comprei em toda minha vida. Duas sungas à espera das férias, do verão ou de um convite pra piscina. E por último, o mais desnecessário e aristocrático dos itens da indumentária humana: o roupão. Uma peça que parece toalha mas não te seca, e cuja utilidade está restrita aos poucos segundos que te separam do fim do banho ao momento em que você resolve se enxugar plenamente.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Astro-Rei

Foto:Marcelo Sadio/ Vasco.com.br

Que diferença faz um jogador? O futebol tem 11 de cada lado, o jogo é coletivo. Se a matemática fosse precisa em campo, cada jogador seria responsável por cerca de 9,09% do time. Mas o futebol não segue essa lógica, ou qualquer outra razão definida e explicável.

Juninho Pernambucano voltou neste domingo (21/07) ao tenebroso meu-time do Vasco, que fazia campanha "claudicante" no campeonato brasileiro. O adjetivo que um comentarista de canal por assinatura usou não era necessário para definir a simplesmente péssima campanha do time cruz-maltino no torneio. Estávamos na zona de rebaixamento, sem perspectivas, sem favoritismo diante do clássico contra o atual campeão Fluminense.

O Vasco tinha acabado de causar a pior impressão possível na torcida que lotou o Estádio Nacional de Brasília para vê-lo jogar contra o arquirrival Flamengo. Não conseguimos ver 2 passes consecutivos certos trocados pelo time. Não vimos jogo, jogada ou jogadores que pudessem fazer-nos vislumbrar uma luz no fim do túnel.

Mas eis que surge Juninho, o camisa 10 (que veste 8), o maestro do meio-campo recém chegado dos estates. O cara que pede a bola e chama a responsabilidade pelo jogo. Como pode apenas uma pessoa mudar o futebol de um grupo todo?!... Logicamente, o Vasco não mudou da água pro vinho, mas com meia partida de diferença já pôde jogar, trocar passes e ganhar do atual campeão por 3 a 1.

Juninho tem 38 anos. Não corre os 105 metros de comprimento por 68 de largura do novo gramado do Maracanã. E nem precisa. Ele faz a bola correr/ faz o jogo fluir/ a garotada se mover/ e a torcida do Vasco sorrir. É como um sol que chega para realinhar as órbitas dos planetas. Trazer ordem ao caos de corpos em movimentação aleatória e confusa. Ser o centro de gravidade, de serenidade.

Os times brasileiros não dispõem de constelações como as que formam as equipes europeias. Nossos jogadores estão mais pra sorumbáticos do que pra galáticos. Mas pelo menos temos a chance de acompanhar "revoluções copernicanas" a cada vez que uma estrela aparece por aqui. Sem lunetas ou telescópios, é fácil perceber o que um (1) Seedorf faz/ traz ao atual líder Botafogo; um Alex ao vice-líder Coritiba; Zé Roberto ao Grêmio.

E agora, mais uma vez, Antônio Augusto Ribeiro Reis Júnior - o Juninho, nosso rei - brilha e faz brilhar o Clube de Regatas Vasco da Gama.



quarta-feira, 19 de junho de 2013

Retardo Coletivo

foto: Eduardo Knapp/Folhapress

Pela televisão, a cena. Repórter se aproxima da manifestante agachada com uma caneta à mão sobre a cartolina em branco. "O que você vai escrever aí?" - "Não sei. Tô pensando ainda."

Juventude acéfala e irresponsável. Milhares de inocentes emprestam seus corpos para um teatro sem direção. Brincam de revolucionários. Querem tudo mas não têm controle sobre nada.

"SEM VIOLÊNCIA" (carros queimados)/ "SEM VIOLÊNCIA" (prédios históricos depredados e pichados). "SEM VIOLÊNCIA" (jornalistas agredidos). "SEM VIOLÊNCIA" (começa a onda de saques)

"É uma minoria que não nos representa". E quem os representam? Quem são vocês? O povo unido jamais seria vencido. Cadê a união, a coesão? Qual o propósito disso tudo?

"Acredite... Não é por 20 centavos!" Antes fosse. Teríamos um problema concreto, uma indignação justa e uma discussão possível com o poder público. Como a tarifa de transporte é confeccionada? Que parte cabe ao município, ao estado ou a união? Que empresas participaram do processo licitatório? Qual é/ foi a regra do jogo? O lucro previsto? O que pode ser feito?

Mas não querem discussão. Se dizem democráticos mas não querem saber de partidos. O sistema representativo parece lento e distante demais. Nunca procuraram um caminho. Querem um atalho para o mundo perfeito. 

Soluções "democráticas" que circulam pelas redes sociais

Nas ruas, os poucos manifestantes que mostram a cara, e a bandeira política, são obrigados a baixá-las. "SEM PARTIDO!... SEM PARTIDO!.... SEM PARTIDO!" 

Se autoproclamam "apolíticos". Como se milhares de pessoas entupindo as ruas não fosse um discurso político, poderoso e perigoso. Que diz mais que as babaquices escritas nos cartazes. Que interessa a muita gente, muito mais esperta e organizada.

Inflamaram as massas. E o fogo parece incontrolável. Tenho receio de quem vai aparecer para apagá-lo.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

"Morar Só" - Paz, Trabalho e Lições de Economia


Há 1 ano passei a morar só em uma quitinete de 32 m² localizada no setor de oficinas do sudoeste, em Brasília. As vantagens evidentes da experiência estão na paz, no sossego, na tranquilidade de não ter mais que dividir espaços, dar satisfações ou esperar para usar o banheiro. E mais do que aprender se virar, morando sozinho você entende o que é a tal da Economia.

Não à toa a palavra Economia, de origem grega, tem algo a ver com Lei e Casa. De princípios de administração do lar ou do Estado, virou uma ciência com variadas ramificações de estudos nos tempos contemporâneos. Mas o que importa aqui e agora são as discussões básicas que desde então surgiram, sobre a circulação e o consumo dos bens e serviços, e a questão principal: como equacionar necessidades humanas ilimitadas com recursos escassos?

Escassez

A primeira coisa que aprendi foi sobre limites. Quando morava sob as asas dos pais, o salário de servidor público (que não é lá isso tudo) sobrava. Sem nenhum passarinho para alimentar, raramente consultava o saldo bancário. Não precisava  Me sentia tão rico que aproveitava todas as ofertas de mentira que chegavam por email - da Americanas, do Submarino, da Netshoes, etc. Morando só, aniquilei o consumismo e já até abri uma planilha orçamentária. As contas a pagar são muitas. O salário diminuiu, o mês aumentou.

Produtos e serviços

Descobri o valor de cada um: água,  energia, condomínio, lavanderia, diarista, tv, internet e telefone. Sem falar do abastecimento da dispensa e da geladeira. Na casa dos pais, elas tinham portas mágicas. Bastava abri-las para aparecer um iogurte novo, uma lasanha, um chocolate. Agora sou eu que tenho que ir ao supermercado, enfrentar filas, escolher, comprar, colocar na sacolinha, no carrinho, tirar do carrinho, pôr no porta-malas do carro e dele para a geladeira. E isso toda semana, se eu quiser ter meu miojo à disposição (malditos bens de consumo não duráveis!)

Além das compras, tentei seguir esse lance de "faça você mesmo" pra tudo. No começo eu até limpava o apê. Depois de um mês, de dores nas costas e de uma forte crise alérgica provocada pela poeira que não consegui eliminar, resolvi dar valor aos serviços de limpeza profissionais. E pagá-los, é claro. O melhor investimento pra casa, sem dúvida. O retorno vem em saúde, tempo e bem-estar. Faxina envolve técnica e recursos que não tenho.

Problemas

Também não tinha técnica e recurso para consertar meu chuveiro, cuja resistência queimou. Depois de tomar banho gelado por 3 dias, resolvi fazer a troca. Com orientação do meu avô, uma chave de fenda e pedaços de fita isolante, consegui arrumar a bagaça. Depois de 2 meses o conector dos fios que eu instalei estava derretendo. Tive que pagar por serviços profissionais para resolver o transtorno de vez.

Ao contrário da comida, os problemas aparecem do nada. O ventilador de teto começa a exalar cheiro de queimado e explode. A lâmpada fluorescente, em tese mais eficiente, se apaga para sempre. As palhetas do ar-condicionado se soltam e caem. O encanamento entope. A água vaza. Bolhas aparecem na pintura da parede. Os problemas são (como) as baratas, que surgem de repente.

Recordes

Morar só dá trabalho, é inegável. Nos dias corridos de hoje, seria bom apelar para algumas facilidades que o mundo moderno oferece. Mas nesse último ano consegui certas proezas, alguns "nuncas" que vale a pena compartilhar. . Nunca pedi comida por telefone (no Brasil, mais conhecido por delivery). Sempre dei um jeito de comer o que tem em casa. Também nunca usei microondas. Não tenho um, mas enfim... Também nunca usei o jurássico ar-condicionado que deixaram no apê. Receio ser infectado pelo vírus da gripe espanhola. Nunca fiz um "open house". E por último, mas não menos importante: nunca deixei faltar cerveja na geladeira



quinta-feira, 4 de abril de 2013

É Proibido Atirar de Mentirinha

REUTERS/Washington Alves
foto: REUTERS/Washington Alves

Nesta noite de quarta-feira futebolística o Atlético Mineiro recebeu o Arsenal da Argentina em rodada válida pela fase de grupos da Libertadores da América. O Galo venceu por 5 a 2 com direito a dois gols do ex-melhor do mundo, Ronaldinho Gaúcho.

O primeiro do dentuço foi marcado de pênalti aos 14 minutos da primeira etapa. Naquele momento o clube mineiro fazia 2 a 0 e Ronaldinho comemorou "atirando", em gesto típico feito com os membros superiores, imitando uma metralhadora ou algo do tipo. Gesto que o atacante e companheiro de equipe, Diego Tardelli, sempre fez/ faz, e zilhões de outros "artilheiros" também.

Na saída de campo do intervalo do primeiro tempo, o repórter "pretenso-nobel-da-paz" da Globo/ Sportv questionou a comemoração do craque com uma pergunta babaca, mais ou menos assim: "Nesses tempos de violência, não é errado comemorar assim e assado?"... Ao que Ronaldinho, meio constrangido, respondeu, com a mesma criatividade que usa em campo: "É uma arminha de água". Hehe, boa!

Mas meu deus!... De novo isso! De novo essa campanha cretina da Globo pelo "desarmamento das comemorações" no futebol brasileiro. Sempre com a desculpa de que é um incentivo à violência, etc. Daqui a pouco vai ser obrigatório comemorar gol fazendo coraçãozinho ou João Sorrisão. Se não me falha a memória, essa palhaçada começou com um jogador que eu odeio, mas fui obrigado a defender na época, o Souza (careca centro-avante), ex-Flamengo. Há alguns anos ele também distribuiu balas imaginárias pro ar, e também foi repreendido.

Eu sempre me imaginei respondendo perguntas idiotas dos jornalistas esportivos, principalmente em campo. (na verdade, sempre me imaginei em campo, jogando e tudo). Hoje, pensei em várias respostas para a questão-sermão que foi levantada. Dividi-las-ei com vocês:

P: "Nesses tempos de violência, você não acha errado comemorar fazendo uma arma? Não é um mal exemplo e blá blá blá?"

R1: "Assim que vocês pararem de me chamar de artilheiro/ matador nos gols do Fantástico, eu passo a fazer apenas um arco e flecha."

R2: "Na verdade, o mundo nunca foi tão pacífico. Os períodos de guerras de ocupação e conquista ficaram no passado. Desde a criação dos Estados modernos, o mundo vem ficando cada vez mais seguro. Relativamente falando, é claro."

R3: "Enquanto você me acusa, seu filho deve estar jogando Call of Duty agora em casa. Aposto que ele matou muita gente online nesse momento... e eu aqui ...[com a voz embargada]... não feri ninguém...[quase chorando]... só tô fazendo minha parte, meus gols... [sai sem conseguir terminar a frase]

R4: "Pede pra sua emissora parar de passar filmes hollywoodianos de ação, guerra, explosões a toda hora. Daí eu faço aquelas dancinhas idiotas do Neymar."

e por último, mas não menos importante, a resposta que sempre cai bem quando faltam argumentos, ou tempo para arrumá-los:

R5: "Ah! VTNC!"




quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Imprensa e Internet: Diversidade na Busca por Informações Automobilísticas.

Foto: Divulgação da Equipe Lotus - Renault


O duelo mídia impressa versus mídia eletrônica é tema recorrente entre jornalistas, estudantes e pesquisadores de comunicação. Há os que acreditam que uma esteja acabando com a outra. Há os que enxergam complementaridade ao invés de rivalidade. Eu quero dar um testemunho comparativo de épocas distintas da minha relação com os veículos de comunicação, mas escolhendo um parâmetro, o mesmo momento em que mais consumo notícias da Fórmula 1 – a pré-temporada.

O objeto dessa pesquisa pessoal pretende buscar na memória o que eu fazia para saber dos carros e pilotos nessa fase de maior expectativa e menor visibilidade do calendário automobilístico e comparar com o que faço agora. O recorte temporal será delimitado: os meses de dezembro e janeiro de meados da década de 1990 (ou simplesmente, antigamente, quando eu não tinha acesso à internet); e os meses de dezembro e janeiro de 2013 (ou simplesmente, hoje em dia).

Williams vermelha. Uma surpresa que chegou pelos jornais
Antes...

Antigamente eu sofria, junto com minha avó, a falta dos carrinhos barulhentos passando na TV. Ela, que era fã, reclamava de saudade: “Ah nem! Essa Fórmula 1 é muito ‘excumungada’! Acaba em outubro e só volta em março. Judia da gente!” Pois é. Nesse intervalo pouco restava aos fãs a não ser esperar.


E eu esperava sentado, lendo os jornais. Era por eles que eu ficava sabendo as poucas novidades que surgiam entre os meses de dezembro (troca/ contratações de pilotos) e janeiro (apresentação dos novos carros para a temporada e os primeiros testes na pista). Cada dia eu percorria as páginas em busca de uma foto ou manchete relacionada. Na maioria das vezes, não encontrava nem uma nota.

Hoje em dia...

Quinze anos depois ficou muito fácil. As mesmas empresas de comunicação que eu consultava na época dispõem agora de seções organizadas especificamente para a F1 em seus websites. Posso conferir o que já saiu de notícia e escolher quais manchetes (hyperlinks) abrir para ler mais. Elas estão dispostas em ordem cronológica. Assuntos comuns são relacionados por tags. Posso ver dezenas de fotos dos carros lançados. Cada equipe tem sua galeria de imagens em alta definição. Nem preciso mais sujar minhas mãos (de tinta) em busca de uma mísera foto, granulada e opaca, numa página no fim do caderno de esportes.

Aliás, nem preciso mais de grandes “mediadores”. A maioria das equipes divulga tudo isso em seus respectivos sites e lançam as novidades pelos perfis das redes sociais. A relação hoje é tão mais direta que eu pude ver como ficou a nova Lotus antes de qualquer mídia esportiva mostrar as fotos. O próprio piloto Kimi Raikkonen revelou a belezura negra sobre rodas, pelo Twitter.

Logo...

É fácil concluir que hoje não precisamos da mídia impressa para saber de algum assunto de nosso interesse. Basta colocar o termo que se quer no Google, seguir o perfil de uma empresa ou personalidade pelas redes sociais, abrir sites favoritos, e sair pulando de aba em aba.


Mas eu diria que a mídia impressa faz seu “papel” justamente quando reúne, organiza e divulga assuntos de interesse geral, coletivo – quando fala de tudo aquilo que eu não correria atrás, por minha conta. Nos idos de 1990, ao folhear os jornais, acabava passando (ainda que na velocidade de um Fórmula 1) por Política, Economia, Cultura, assuntos da cidade, do “estrangeiro”, etc. Nesse passeio, acabava informado.
 Pelo Twitter, Kimi Raikkonen divulga foto do companheiro, Romain Grosjean, na primeira volta do novo carro em 2013.

A imprensa deixa registrado, materializado, fincado no tempo. Deixa vestígios para a História. Além disso, tem maior grau de confiabilidade. Por ela, corremos menos riscos de ser enganados com informações soltas sem critérios pelas ondas da web – como a veiculada pelo twitter ‘hackeado’ de Paul di Resta, piloto da Force India. Ele tinha confirmado a vinda de Bruno Senna para o time em 2013. O que se verificou, depois, é que o brasileiro nem mesmo correrá pela Fórmula 1.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A Sorveteria Bicota


Ela sempre esteve lá. Naquela praça. No centro da cidade. Num mundo onde "tudo que é sólido se desmancha no ar", é admirável que um negócio familiar tenha resistido aos tempos. Desde 1977 a sorveteria Bicota é uma referência na Praça Rui Barbosa, em Uberlândia, Minas Gerais.

Um fato quase inexplicável para mim, que vi a maioria dos estabelecimentos comerciais da cidade mudarem ou fecharem, é incrível que uma sorveteria tenha resistido às variações macroeconômicas e permanecido numa área tão nobre. A Bicota tanto experimentou os mirabolantes e inflacionários planos econômicos da década de 1980, quanto resistiu ao rápido crescimento de Uberlândia nos últimos anos. Sim, porque desenvolvimento econômico raramente é gentil com as pequenas empresas. No mesmo quarteirão, inclusive, chegaram "rivais do capitalismo mundial" como Mcdonalds e Yogoberry. 

"Mesmo com a chegada da concorrência, nós nunca perdemos clientes", garantiu Carmem Dora Brandão, a dona do estabelecimento. Junto com dois irmãos, ela toma conta do negócio há mais de 35 anos. Como sempre fui intrigado com as permanências da História, tive que interrompê-la no trabalho junto ao caixa da sorveteria para saber o segredo desse sucesso.

O produto 

Em poucos minutos de conversa, a resposta não poderia deixar de começar pelo óbvio: o sorvete! De fabricação própria, com ingredientes naturais e sem uso de corantes - assegurou a simpática dona. Para ela, a proposta de produzir de forma artesanal, ainda que isso diminua o lucro, é o diferencial da Bicota.

Além do produto de qualidade, evolução e controle são outras palavras-chave para explicar essa longevidade. "Com o tempo fui desenvolvendo novos sabores, aperfeiçoando os tradicionais. Também produzimos sorvetes específicos pra quem tem restrição de açúcar ou lactose", revelou Carmem, que tinha na ponta da língua (e do lápis) números importantes do caixa: "vendemos em média 4500 quilos por mês, sendo que no verão o movimento chega a ser 60% maior do que no inverno". O acompanhamento das receitas e despesas é feito de perto, e com essas informações eles equacionam as finanças da empresa, precavendo-se para os momentos de baixa.

O ponto

Satisfeito com a explanação do funcionamento do negócio, restava ainda uma dúvida sobre o imóvel onde funciona a sorveteria. Aliás, chamar o belíssimo sobrado – cujos traços neoclássicos nos remetem a seu passado centenário – de "imóvel", é quase uma ofensa. Mas eu precisava tratar de um último assunto econômico: especulação imobiliária. Pra começar, era próprio ou alugado?

"Alugado", respondeu Carmem. Ela afirmou que o valor do aluguel aumentou com o tempo, mas nada que impedisse de crescerem. Que nunca sofreu com a especulação e sempre teve boa relação com os donos. "A vontade deles de preservar o local também ajudou", concluiu.

Recentemente o sobrado passou por uma grande reforma. O trabalho idealizado pela arquiteta Débora Diniz não apenas preservou como ressaltou os aspectos históricos do prédio. Destaque para a fachada, agora melhor iluminada; e o esguio poste central – sim, poste! De ferro maciço, que ajuda a sustentar o piso superior e agora aparece por inteiro. (mais detalhes e fotos sobre o antes e depois da reforma, aqui ó!).

(Jornalisticamente, sei que deveria ter ido atrás dos proprietários para saber mais sobre a construção, sobre possíveis propostas de locação por empresas maiores, reajuste do aluguel ao longo do tempo, etc. Mas Carmem adiantou que eles estavam em luto, e nem me atenderiam. Eu também aceitei que no capitalismo ainda havia espaço para relações de negócio amigáveis, saudáveis e não exploratórias).

O prazer

Terminada a boa prosa mineira com Dona Carmem, pedi licença e fui tomar meu sorvete, como sempre faço quando estou de férias em Uberlândia. Escolhi meus sabores. Ignorei os condimentos extras. Pesei e paguei. Sentei-me à mesinha do lado de fora, protegido pelo guarda-sol e pela sombra de um grande cedro. Devagar fui tomando o sorvete e expiando o movimento apressado dos transeuntes. No meu ritmo, só um flamboyant, duas sibipirunas, um ficus, um Pau-Brasil, uma quaresmeira, e um jovem casal na mesa ao lado. Eles permaneceram por mais de hora e meia conversando, tranquilos, mesmo tendo acabado suas casquinhas.

Depois chegou um casal da “melhor idade”. Após uma improvisada pesquisa qualitativa de hábito de consumo, descobri a senhora Maria e o senhor José Rubens não moravam perto nem estavam de passagem. Descobri que eles enfrentaram o trânsito e a dificuldade de estacionar no concorrido centro da cidade especificamente para tomar sorvete na Bicota.

Se algum dia – caro leitor – estiver na minha cidade, faça o mesmo! Além do sorvete muito gostoso, poderá curtir um pouco do clima de interior em uma cidade que insiste em crescer. A Bicota, mais do que exemplo de empreendedorismo bem sucedido, é um patrimônio de Uberlândia.