quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

A Morte de Romeu

Ilustração em Paintbrush: Sérgio Bertoldi

Por Rodrigo Caetano


Não tenho a menor dúvida que os dramas, os verdadeiros dramas nascem de situações completamente banais. Os cartazes, os letreiros e os outdoors não são páreos para o anúncio silencioso dos dramas da banalidade do dia-a-dia. Atravessar a rua. Passar em baixo de uma marquise. Pisar em um bueiro. Fazer feijão. Em suma: viver, demasiadamente viver. Pois o nosso drama inclui um pai, sua filha, um cão, um passeio e um automóvel. Após uma ida ao colégio da filha Catarina para confirmar matrícula, pai e filha caminham por uma das variadas quadras comerciais de Brasília com o cão Romeu.

O fato do cão ter um nome, o fato do cão se chamar Romeu, é um ponto fundamental. Romeu não é apenas um cão. Tudo aquilo que ganha identidade deixa de ser matéria e se tornar substância. Romeu não é apenas um cão. É o cão de Catarina. Ou melhor, é o Romeu de Catarina. Sendo assim, eles passam a ter um-para-o-outro maneirismos e singularidades só perceptíveis àqueles olhos.

A cena é rápida. Catarina conduz Romeu pela coleira. Sons habituais. Palavras entrecruzadas. Romeu!, Ela ex-clama. A pele seca. Um carro passa. 16h2min. Romeu corre. Barulho de freada. Romeu. Carro. Comercial. Catarina chorano. O pai corre. Enquanto o pai retira Romeu do algoz, transeuntes acodem Catarina. Ela é o puro desgosto.

Em geral, acostumasse com o que é frequente em nossas vidas. Enfermeiras são acostumadas com a dor alheia. É uma espécie de autoproteção inclusive. Mas a dor genuína das primeiras cicatrizes reverbera, contagia. Não havia quem não parasse para acudir Catarina. A experiência da morte é sempre brutal. Brutal pela sua inevitabilidade e por sua necessidade. Sem ela, sem a consciência da morte, a vida seria vazia de sentido. Basta nos perguntarmos agora se estaríamos fazendo o que estamos fazeno caso fossemos eternos? Se não houvesse a morte e todos fossemos uma espécie de Highlander, estaríamos fazendo nesse momento o que estamos fazendo? E mais: faríamos o que estamos fazendo em algum momento de nossa vasta eternidade? Todos sabemos a resposta. A morte é brutal. Irreversível e necessária. Catarina chora a perda e sensivelmente compreende o valor que ela tem. Toda criança que experiencializa a morte se adultiza e passa a carregar uma idade que não tinha.



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